html>r.b.S - 2008
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
 
SUPA
SHIFT


Evitando a mensagem condescendente e radical do gueto, os Supa abrem eloquentemente novas portas para credibilização do hip-hop nacional.

O nível de sofisticação que Sam The Kid proporcionou à mediania do hip-hop nacional tornou-se num exemplo de destreza criativa que faltava em Portugal e afirmou-se como uma pertinente bitola de qualidade. Ficou definitivamente provado com Pratica(mente) que o equilíbrio entre a escrita inteligente – ou a rima fugaz – e o beat esculpido em torno de uma verve melódica assente essencialmente na manipulação do sampler era possível em proporções dignas; o suficiente, no mínimo, para reconhecer o esforço de um produtor em busca de uma linguagem de autor. E para que não haja dúvidas, foi precisamente na evolução do dialogo entre as palavras e a inventividade da produção ou na interacção entre a solidão que a escrita obriga e o convívio das ideias em estúdio que se encontrou a exigência da evolução e a necessidade de grandeza.
Como em Portugal tudo leva o seu tempo, as edições de hip-hop de relevo ainda não atingiram a espontaneidade desejada. Mas a aspiração anda por aí e os nomes vão lentamente credibilizando-se – seja em colectivo ou em nome individual. E não se estranhe que pequenas alianças se façam esporadicamente com o objectivo de erguer – em união de forças – um compromisso rigoroso com um conjunto de princípios díspares e ideias soltas que, devidamente confederadas, abram espaço a uma natural experimentação sonora.
O trio português Supa encaixa-se nesse grupo que assumiu a missiva de mudança a que o titulo eloquentemente se refere. Só assim se poderá aceitar que um produtor (Núcleo), um DJ (Ride) e um MC (Gab) convivam num espaço aberto a especulações nem sempre vulgares em Portugal. Não será a questão da inutilidade dos paradigmas existentes ou a regulação cristalizada dos métodos de trabalho o mal principal, será sim uma questão de falta de espírito de aventura que desafie os estatutos elementares. Com consciência dos riscos, os Supa entenderam que a coacção sonora poderia ser a solução ideal para o criação de uma abrangência estilistica e estética (príncipio ainda surreal entre os comodistas nacionais).
Talvez por isso Shift seja mais o início de uma jornada que poderá abrir portas à comunidade num futuro próximo do que uma mera e positiva consequência de meses de trabalho em conjunto. A produção é perspicaz definindo eloquentemente o formato canção enquanto no fundo é criado espaço para a experimentação. A mensagem transmitida – consciente da realidade desfavorável que o país e o mundo ocidental enfrenta - evita a verborreia radical, maçadora e condescendente sendo simples, directa e soulful na fluência. E não será algum desequilíbrio no alinhamento que nos remete para referências próximas de um hip-hop old school em busca de actualidade gramatical – uma espécie de grime/afro-funk tuga – ou a busca da eloquência perpetrada por Common em contacto com a convicção inovadora deixada por J Dilla, que deitará por terra todas as movimentações deste trio sedento de descoberta. Shift é, reconheça-se, um dos mais interessantes discos portugueses do ano por saber sair do gueto e lançar-se em busca de novas possibilidades.


ERIC LAU
NEW TERRITORIES


Atacar o mundo de uma assentada, sem rodeios ou discursos ocasionalmente perfeitos parece ser a solução ideal para evitar que a cotação em bolsa de um projecto não desvalorize ao ponto do prejuízo. O tempo e, concretamente, a oportunidade são elementos fundamentais na gestão de expectativas. Seja na economia, seja, numa dimensão diferente, a produção de música. Porque saber aproveitar a oportunidade quando ela se apresenta e de imediato expor ao mundo os desejos e ambições não é sinónimo de oportunismo assoberbado, muito menos indicador de falta de estratégia, mas sim um sinal de compreensão e qui ça sabedoria.
Para exemplo do argumento no parágrafo anterior esteve a falta de entendimento da conjectura pelos SA-RA que, tendo-lhes sido oferecido o mundo numa bandeja, não souberam-se apresentar com a firmeza que os primeiros EP´s demonstraram. O tempo e a oportunidade escapou-lhes por entre os dedos e quando pretenderam que o mundo os recebesse de braços abertos, foram ignorados – também muito pela falta de ideias que o álbum debutante expôs. Conclusão? Deles nunca mais ninguém quis saber.
Com o lugar deixado vago pelos norte-americanos, não tardou quem o preenchesse. E bastou um pouco de atenção de personalidades como Benji B ou Gilles Peterson para que alguém se aproximasse e incentivasse um jovem produtor de 26 anos a erguer um pequeno epítome de soul modernista. E sem pretender ser grande logo no primeiro conjunto de exercícios, Eric Lau apresenta-se calmo e confiante com um disco sedutor, perceptivo e bastante consistente.
New Territories não desbrava o mato denso da pura soul – apesar dos sinceros desígnios dos vocalistas convidados –, antes permite que ela se deixe contaminar pelo hip-hop esquelético – que tantos elogios valeram a Spacek –, o jazz abstracto e transversal – que J Dilla explorou insistentemente enquanto criava o beat perfeito - ou ímpetos funk e que todos os elementos fundidos construam uma sonoridade despretensiosa mas simultaneamente desejosa patamares mais transcendentais. E mesmo não havendo grandes inconvenientes nos elementos que constituem esta elegante amalgama, também não há nada que nos permita eleger New Territories como a “coisa” que mais falta estava a fazer neste ano. Mesmo assim escute-se com atenção os desejos de perfeição que «Final Chance» ou «Free It Out» transmitem. Pequenas pérolas que enriquecem o panorama, mas, mais importante, enchem de esperança a alma da humanidade. Uma estreia interessante


ITAL TEK
CYCLICAL


O propósito poderá não ser outro: baralhar e voltar a dar. Curioso será constatar que quem ergue esta singularidade tem consciência que tudo o que é já o foi. Melhor, constatar que por mais voltas que se dê no underground, a cobra acabará sempre por morder a própria cauda. Talvez por isso o título escolhido para a obra debutante de Ital Tek seja a ideal para demonstrar que a novidade também nasce da falta de ideias principiantes.
Do dubstep já muito se falou. E talvez em consideração pela genuidade do género, condescendência tem sido uma constante se se atender que o dubstep pouco tem dado ao mundo senão meia dúzia de bons discos. Mas aprender a ir alem do óbvio também é um exercício que se deve aprender se o objectivo for discernir os factos que ergueram o ontem com a mesma convicção que se pretende erguer o amanhã. E nada como reconhecer que Cyclical faz jus ao nome e surge descomplexado com a sua natureza drum n’bass numa matriz dubstep.
O esforço não será outro senão a salvação de uma linhagem underground em busca de redenção. Sendo a alavanca da especulação digital a ferramenta que permite a compreensão do que Ital Tek pretende com este curioso exercício. Não havendo nada de novo senão a reinterpretação dos desígnios que fizeram mover Aphex Twin, Goldie ou Vex'd num pântano de incertezas, Cyclical expõe-se como elemento aglutinador e, simultaneamente, como factor de união num momento em que o movimento se distrai com idiossincrasias sem nexo ou futuro.
Com Cyclical reconhecesse-se o valor de uma estrutura narrativa que desenvolve a melodia como factor essencial de uma linguagem que não se convence com a banalidade reinante e se esforça por oferecer ao mundo uma espiral rítmica que permita a coordenação dos diversos elementos. Essencialmente temos em mãos uma sincera perspectiva sobre o que o dubstep deveria ser. Sem arrogâncias e sem a pressão de demonstrar limitações desnecessárias, Cyclical é despretensioso e directo. É dubstep. É música digital. É novo, mesmo que não invente nada de substancial. Na mesma linha, Boxcutter tem se esforçado por fazer o mesmo, mas Ital Tek resume tudo num disco curto e íntegro.

MINILOGUE
ANIMALS


Da Suécia chega o mais recente e concreto exemplo de destreza techno (e ambient) em dias cinzentos e pouco aventurosos.

De falta de ambição ninguém os pode acusar. Porque apresentarem-se numa assentada debutante com um disco duplo que expõe dois universos paralelos da música de dança (a música de dança, propriamente dita, e a música ambiental), só pode ser encarado como acto de destreza numa conjectura dominada pelo receio inexplicável da aventura ou entendido como um dos raros exemplos de explosão criativa saciado durante a concepção de uma linguagem de autor. E sejam lá quais forem os verdadeiros motivos por detrás desta peça erguida em dois distintos actos, não há um único instante de Animals que defraude o ouvinte, seja pela abrangência, seja pelo conceptualismo.
O que no fundo acaba por surpreender – ao fim de umas quantas horas dispensadas a assimilar a mensagem – é a capacidade de síntese usada para moldar os diversos géneros numa coerente linguagem abstracta. Não obstante a diversificada presença do trance, do techno minimal, do IDM, do house, do dub e até do "jazz digital" (muito à semelhança de uns Cobblestone Jazz), a ambient acaba por ser o elemento verdadeiramente dominador. O elemento capaz da união das diversas estéticas que os suecos Marcus Henriksson e Sebastian Mullaert não se rogam explorar para beneficio seja do corpo, seja da mente (escute-se as ambiências que interligam os temas no disco 1 para entender a forma intrincada e como tudo no fim se torna numa mescla confederada).
Animals não é um disco de fácil encaixe. É longo (aproximadamente 145 minutos), é intrigante e é um disco de instantes, de momentos específicos. Um disco apto a transportar o ouvinte para diversos estados de mente: A ansiedade efusiva criada pela fricção da repetência que é gerida com o objectivo único de proporcionar pequenas e inesperadas surpresas («33 000 Honeybees», «Jamaica» ou «Hypnotized»); a complexidade das equações IDM que geram a perplexidade matemática perante um estranho problema cientifico («View of a Juggling Ball» ou «Giant Hairy Super Monster»); a melancolia fria e solitária perante um quadro abstracto que não nega o espírito de Kingston mas que geograficamente admite a distância física («Cow, Crickets and Clay»); o calor tropical que invade o paraíso num instante arrebatador («In a Distance»).
Facto não menos notável é a segunda parte de Animals. Disco percorrido essencialmente por melodias etéreas e ritmos em slow-motion. Canal único e difusor de sons em formato de banda-sonora, prestigiante o suficiente para preencher o vazio depois de uma rave ensurdecedora. Entre o trip-hop variegado, as indecisões pop ou mesclas jazz ocasionais, o disco 2 vive da interpretação dos sonhos numa vaga anacrónica que tanto embarca os delírios melódicos ambientais de Eno no início dos anos 80 como insufla as ambições do trip-hip ou do chamado lounge dos finais 90.
Grande quanto baste, Animals não passa despercebido em 2008. Sintetiza como poucos os últimos anos da música de dança; explora em proveito próprio algumas das suas fraquezas e sai enriquecido por saber contrastar as diversas faces da mesma moeda em andamentos e animosidades diferentes. E não fosse o tempo excessivo que força a sua escuta – muitas vezes por fases –, estaríamos seguramente perante um dos raros manifestos techno e ambient desta década. Assim ficamo-nos pelo excelente em vez do brilhante.


BOOKA SHADE
THE SUN & THE NEON LIGHT


Indolência pop em busca de afirmação no electro-house. Eis a nova asseveração da dupla alemã Walter Merziger and Arno Kammermeier.

Nunca foram mestres no seu ofício, talvez nunca se tenham esforçado para isso. No entanto sempre souberam dignificar a sua arte, porque numa conjectura saturada de redundâncias e sem perspectiva de futuro, todos que façam promessas com um amanhã radioso serão sempre encarados como o ponto de mudança - senão a next big thing -, mesmo que o facto musical não traga nada de substancialmente novo.
Os Booka Shade estão encalhados nesse escalão onde a ansiedade de terceiros cria uma expectativa exagerada sobre o que se poderia realmente esperar da dupla Walter Merziger e Arno Kammermeier. Nunca pediram o céu, nem nunca pretenderam alterar diametralmente o que aprenderam a fazer bem: produzir música de dança.
The Sun And The Neon Light é talvez o passo mais seguro na estética do projecto. Um passo lógico onde a sonoridade bifurca-se entre os apelos pop que sempre mantiveram num canto escuro e escondido e a óbvia obrigação de proporcionar temas para regozijo hedónico na pista de dança. Mas o que muitos dos seus sagrados admiradores encaram como um passo em falso – isto em perspectiva com Momento (2004) e Movements (2006) e a mão cheia de pequenos êxitos dançantes –, haverá quem agora encontre finalmente motivos de maior interesse.
The Sun And The Neon Light é o mais conceptual de todos os discos produzidos pela dupla alemã e simultaneamente acaba por ser o mais fácil de ouvir. Não opta por um discurso exclusivamente dirigido às pistas de dança, antes oferece diversos ângulos de pop lânguida para a matriz electro-house a que nos fomos habituando. Perspectivas novas em tom pop que não deixam de evocar formas e geometrias de 80 – onde os Depeche Mode parecem ser uma das principais fontes de inspiração. Ouvem-se guitarras tresmalhadas que se conjugam com sintetizadores («Dusty Boots», «Solo City» ou «Comacabana»), vozes sussurrantes a recitar segredos no ouvido («Control Me» ou «Sweet Lies»), orquestrações a complementar o vazio deixado pelas máquinas («Outskirts», «The Sun And The Neon Light») e prazeres ofegantes espalhados pelo éter («You Don't Know What You Mean To Me (J's Lullaby)»).
Não será definitivamente a obra que muitos desejariam, agora a certeza que nasce de The Sun And The Neon Light é uma: o projecto esteticamente sai reforçado por saber desdobrar-se e multiplicar-se em personagens mutantes, ganha envergadura pela intimidade que compartilha. Não é uma característica nova. E bem se espera que não seja a última, porque se há almejo que um artista não deve ignorar é a necessidade de evolução da sua arte para um patamar de entendimento que proporcione uma linguagem própria de autor e especificamente uma escrita coerente com os desígnios interiores. No fundo uma linguagem que revele maturidade nas opções. Por isso mesmo os Booka Shade estão finalmente no bom caminho; ocasionalmente amorfos, mas no bom caminho.

JAMIE LIDELL
JIM


Não será propriamente o paladino da nova soul. Muito menos a alavanca capaz de devolver a verdadeira frescura criativa à matriz tradicional. Agora não deixará de ser uma das personagens estrénuas com real capacidade de resgatar a soul da enfadada pasmaceira em que encalha sempre que surgem nomes campeões de vendas. Por outras palavras: Jamie Lidell surge ocasionalmente para nos relembrar que existe mais white soul para além dos nomes habituais, para além das Amy Winehouse e das Duffy que por aí proliferam.
Entre uma soul irrequieta, mas de contornos clássicos, há uma alma que acredita na mensagem que a vós veicula. E Jim é prova evidente da eficiência da expressão num contexto soul que não larga as linhagens mais conservadoras. Se Multiply era abrangente e exigente com citações enquanto integrava na sua matriz os tiques tecnológicos que souberam perverter sem causar danos de relevo, Jim prefere exibir contornos clássicos em detrimento de uma suposta inovação que outrora já bafejou o sentimento mais intimista de Lidell. E talvez ai resida alguns dos principais defeitos deste novo disco: alguma indefinição no carácter apesar da eloquência que exibe e da eficiência na expressão.
Não se poderia exigir a Jaime Lidell uma cópia do estilo que Multiply exibiu orgulhosamente, mas talvez alguma provocação face à matriz clássica – que acolhe referencias que vão de Stevie Wonder a Otis Redding – e uma maior certeza ou determinação na intervenção da modernidade – como, alias, o fez em boa parte do seu percurso musical. Não serão maus os sinais que Jim transmite, serão talvez ténues e relativamente tímidos que as certezas que o disco anterior transmitiu. Talvez por isso Multiply foi um exemplo retumbante de soul inovadora e Jim fica-se apenas por uma curiosidade que exibe proficiência. Excepção para «All I Wanna Do», sem dúvida a única pérola brilhante.


DEEPCHORD Presents
ECHOSPACE
THE COLDEST SEASON

Perdoem-me as divagações, mas há discos assim, feitos de estranhos silêncios, de efervescências sedutoras, de romantismos gélidos, de frescuras arrepiantes e até mesmo de belezas esculpidas em gelo. Música empurrada pelo vento e sussurrada em estranhos contrastes. Música que fala sem companhia e que sonha com a possibilidade virtual do mundo poder ser recriado por palavras que ecoam no espaço e no tempo. O branco não sai da cabeça. Ali permanece em solidão e em puro descanso heróico. As cores garridas, afastadas do destino, aguardam a vez. A espera será longa. No núcleo, onde a acção se desenrola, sentem-se os impulsos da tecnologia; sentem-se as notas cambaleantes, indecisas, belas.
O título faz síntese do que se ouve no seu interior: música fria para uma temporada invernosa. Techno erguido de sons que ecoam no vácuo. Redundâncias que se constroem no vazio galáctico para logo de seguida se dizimarem entre a orla interior e exterior de um universo em permanente expansão. Dub de baixa temperatura, tíbio, solvente. Ecos perdidos na memória que relembram o passado mas que insistem no futuro.
The Coldest Season é um disco inspirado e de esquadrias exactas. Relembra os melhores momentos da Basic Channel ou dos Rhythm & Sound, confiando-nos murmúrios minimais que não se confundem com vagas banais, como aquelas que se perdem em longas e inuteis considerações. The Coldest Season é simples, corajosamente despido dos tiques acanhados que frequentemente ocupam o espaço desnecessáriamente. Os temas de Echospace parecem forjados numa assentada única tal a semelhança que exibem. Há coerência estética mesmo quando a repetição hipnótica se instala. Tanto faz «First Point of Áries», «Celestialis» ou «Elysian». É indiferente procurar diferenças. Tal como é indiferente assinalar este disco como um dos mais interessantes de 2007. Afinal ainda há música do ano passado que se descobre ao acaso e quando menos se espera.


V/A - KITSUNÉ
Kitsuné Maison Compilation 5

Não há nada de novo a falar de mais um volume Kitsuné Maison Compilation, neste caso o quinto. As actividades da editora francesa dificilmente passarão despercebidas mesmo para quem ainda desconfia da estranha amálgama sonora ou do facto de ser uma invulgar casa de recolhimento dos mais inadvertidos jovens experimentalistas ou das velhas raposas do french-touch. Uns motivados pelo pertinente desenvencilhar electrónico no já gasto electro, outros, mais desmotivados, em busca de novas plataformas de entendimento entre o passado glorioso e a conjectura saturada pelo techno chafurdo e quadrado, a Kitsuné acolhe sem preconceitos todos quantos estejam dispostos a preencher os requisitos implementados por uma gerência sábia, atenta aos tiques dos hypes e que usa a imagem como uma das mais importantes ferramentas de marketing.
Mas enquanto não chegam ideias novas – pelo menos com mais substância –, o pisar e repisar parece ainda ser a técnica ideal para fazer render uma sonoridade que nasceu dos despojos do electro-clash e da inoculação do rock sujo e robusto nos genes do techno, house e até mesmo no funk. Talvez por isso mesmo não se descortinam grandes novidades neste quinto volume recheado de mais-do-mesmo. Novos nomes poderão surgir na demanda pela novidade (autoKratz, Data, Bitchee Bitchee Ya Ya Ya ou Big Face), ficando-se por saber a relevância estética numa cenário já por si sobrecarregado pela estilização excessiva.
Não será outra a necessidade de mais uma compilação que a exposição do catálogo de maxis que vão inundando os escaparates com a frequência habitual e a constante adulação dos mecanismo da pop/rock como forma de sustento editorial. Kitsuné Maison 5 mantém a linha das 4 edições anteriores. De tudo só não consegue manter o interesse pela operação por consequência da insistência na ambiguidade de nomes sem grande consistência musical, preocupados excessivamente com engenharia sonora ou simplesmente determinados em estar na moda com um hype que já teve outros motivos para simpatias.


DESTAQUE: QUIET VILLAGE
O DISCO: SILENT MOVIE

Pop mediterrânea, exotismo baleárico ou simplesmente easy-listening urbano com desejos de paixão ardente e fantasias extravagantes? Respostas só num silêncio indiscreto e em tom retro…

Não será um disco de amor à primeira vista. E nem se chega a perceber muito bem o motivo pelo qual é rejeitado à partida e sujeito a adoração no fim. Certo é que a insistência é fundamental para assimilação das cores, dos corais sonoros e das paisagens retro (sim, retro!) propostas por 2 activistas da causa sonora cinematográfica (Matt Edwards e Joel Martin).
Talvez a desconfiança seja logo no início a primeira impressão que se retira de Silent Movie. A simplicidade melódica, o pastiche, a ambiguidade, alguma ousadia passiva, o empilhamento sonoro envolto numa manta de retalhos pop, rock, funk e disco em modo chill-out provoca alguns arrepios de estranheza, levantando suspeitas razoáveis sobre a aura de mistério que paira nas entrelinhas. Mas talvez até sejam as incertezas que permitem a descoberta (repito: com alguma insistência) de um disco repleto de fantasias exóticas, lânguidos instrumentais desenhados para filmes noir onde o expressionismo é levado ao extremo.
Da manta de retalhos também não haverá nada a temer. Matt e Joel não são os primeiros, nem serão os últimos a recorrerem ao velho vinil como fonte de inspiração – e quem sabe algo mais – para a construção de uma espessa e consistente massa sonora que integra na sua matriz elementar a essência do disco-sound, do rock, do funk, do jazz e da soul, atrevendo-se ainda à indiscrição de referências como Buffalo, Ryuichi Sakamoto, Sister Sledge e tantos outros nomes que deixariam Quentin Tarantino desperto por uns quantos dias. E se nos recordarmos dos primeiros discos de Dj Shadow – nomeadamente do clássico EP What Does Your Soul Looks Like? – não será difícil concluir que os samplers ainda são as ferramentas uteis na concretização do pormenor, seja ele um contorno, uma sombra ou uma cor.
Não haverá quem deixe de caracterizar Silent Movie como um disco de música lounge, da tal que há muito não se fazia. E não estarão muito enganados já que o passeio easy-listening é definitivamente feito de olhos fechados com o corpo estendido num sofá ou espraiado na areia quente de qualquer praia mediterrânica. Garantido é o prazer perante o exotismo baleárico de «Victoria's Secret», o veludo misterioso de «Circus Of Horror», o voo planante de «Free Rider», o paisagismo rock de «Pillow Talk» ou a sensualidade escaldante de «Singing Sand».
Silent Movie é um mimo intimista que se estranha na pele mas que mais cedo ou mais tarde se entranha na mente, especialmemte quando surge o momento do desejo de uma banda sonora que sussurre eloquentemente toda a conjugação do verbo prazer ou dite em surdina a narrativa de uma inesquecível história de amor.

TWO BANKS OF FOUR
JUNKYARD GODS

Não haverá personagens mais conscientes dos versos e reversos que a música dá. Atentos ao tempo e instigadores de linguagens jazz desformatadas, Dill Harris (Demus) e Rob Gallagher (Earl Zinger) cresceram motivados pela necessidade de modernização de velhos paradigmas. Assim se entende boa parte do percurso percorrido desde os dias da Talkin' Loud, e a explosão do acid-jazz, até às actividades transversais nos Two Banks of Four. O sentido de responsabilidade foi-os acompanhando, tal como a urgência da criação das mais variadas estéticas – algumas vistas e revistas pela tecnologia. O traço da citação está presente mesmo no momento da escrita mais inventiva. E não haverá melhor exemplo para demonstrar que os velhos paradigmas não têm vida assegurada para a eternidade que os originais dos 2 Banks of 4.
A necessidade de progredir a todo o custo nem sempre será o conselheiro ideal quando surge a preocupação em recompletar o qu
e no passado ficou por construir na perfeição. Não sendo o mais exemplar exemplo de originalidade, Junkyard Gods não deixará de ser a mais completa amostra do que se pode fazer quando o sonho é mais determinante que a necessidade de erguer novas equações. Ou seja: para quê dar o próximo passo quando o anterior ainda detém substância por explorar. Junkyard Gods não inventa mas mantém segura a essência sonora de um projecto que ainda não se conformou com a apatia de terceiros.
Vergonha seria admitir que todas as opções de City Watching (2000) estariam esgotadas em Three Street Worlds (2003). Ou que a personalidade de um projecto se eclipsaria na mundíce excessiva dos clichés da programação quase automática ou na pragmática das fórmulas do nu-jazz. Sem revolução à vista mas com um aprumado sentido criativo, Junkyard Gods eleva a eloquência narrativa mais um nível e revela a despreocupação e a naturalidade sofisticada do acto criativo desde os minutos iniciais, etéreos e planantes, até ao lento desaguar de luzes de um satélite num qualquer jardim oriental. Ainda não supera a quase-perfeição de City Watching, mas ângulos de racionalidade electrónica, jazz e soul não lhe voltam a faltar. Seguramente quatro em cinco.



KUNIYUKI TAKAHASHI
ALL THESE THINGS

Do país do sol nascente para o mundo, Kuniyuki Takahashi, fidalgo das novas tecnologias, devolve à musica a orgânica divina sem esquecer cheiro da terra húmida.

Quando menos se espera, surgem discos assim: belos, serenos e inteligentes. Música pensada entre o éter e a eternidade, música engendrada à porta do paraíso. No fundo, sons conjugados nas mais diversas flexões que reforçam a necessidade de invenção de novos tons de prazer para a humanidade. E se dela parte, a ela se destina.
Expandindo as ferramentas do amor a partir do Japão recorrendo a diversos sinais de orientação, e em busca do azimute perfeito, Kuniyuki Takahashi é, à segunda, o mestre da semiótica sonora que – e evitando a redundância – desenvolve a sua própria matriz assente na necessidade de transmitir good feelings nas suas mensagens subliminares. E se é à porta do paraíso que transmite os bons sentimentos, não deixará de ser num jardim comum que as mais diversas pontas se unem em comunidade e se entendem em nome da harmonia.
Não será desta que surgirão objecções as opções estéticas de um japonês disposto a discorrer em hora e meia de produção todas as tácticas da conjugação de elementos – como o house em em perfeito estado de graça, os sons da selva amazónica, o cheiro da terra africana humedecida pelas chuvas tropicais ou a soul idílica – que entram em constante contraste com o crepúsculo por onde radia um jazz inconformado com a sua matriz tradicional. Antes pelo contrário, agora, e talvez mais que nunca, deve-se elogiar solenemente a inteligência de uma escrita cintilante e sedutora e ignorar a existência das inconsequências que inundam o ouvido em dias cinzentos.
Dificilmente será possível ignorar a mestria planante de «Flying Music» ou «My Dear Friend», a convicção rítmica de «The Session...», a tranquilidade ancestral de «A Dear African Sky», a ambição sóbria de «Free» ou os delírios comedidos de «The Guitar Song». Nada é indiferente neste disco. Nem mesmo a convicção de Kuniyuki Takahashi num futuro onde as novas tecnologias reverenciarão o cheiro da erva depois da chuvada tropical ou o pôr-do-sol num dia de estranha monção. Brilhante.



GNARLS BARKLEY
THE ODD CUPLE


Na memória ainda perduram os efeitos de "Crazy". Não porque tenha sido uma obra retumbante ou um facto estético de primeira linha, mas por ter sido dos um dos primeiros fenómenos a nascer de uma invulgar combinação de mistério e curiosidade – nascido no myspace – enquanto se recorria ao uso pertinente das novas tecnologias como forma de divulgação musical e auto-promoção.
Ainda há quem discuta a existência de vida para além da primeira amostra ou discuta a pertinência de um primeiro disco nascido à sombra de um êxito gerido, mesmo ao nível da imagem, com mestria invulgar. Para muitos essa discussão será impertinente dado que ingenuidade não foi em nenhum dos momentos a alavanca que accionou o fenómeno. Danger Mouse e Cee-Lo assumiram postura profissional e St Elsewere evidenciou a proficiência de quem tinha objectivos claros, de quem tinha um rumo a percorrer, de quem tinha um bom punhado de temas produzidos com inteligência. E não tendo sido uma obra-prima, não deixou de exibir a ambição.
Dois anos volvidos, os propósitos não se afastam das premissas iniciais, tornando-se agora mais pertinente discutir a importância de um projecto que ao segundo trabalho se apresenta sem a motriz devastadora de um primeiro single forte e indiscutivel. Os Gnarls Barkley tornam-se lentamente um projecto vocacionado para singles, deixando cair por terra a ideia de álbum conceptual – que agora se lhes exigiria. Ou seja: revelam agora o handicap de forma evidente. O que em St Elsewere eram apenas inocentes indícios, The Odd Cuple resume a certezas. O disco é em geral uniforme, mas dinâmico. Expõe com promiscuidade um contraste entre as certezas soul e r&b enquanto permite que a pop revele a competência esperada para agradar à massa branca de ouvintes que tanto almeja atingir. Um compromisso legítimo que não deitando por terra a matriz tradicional da música afro-americana, nega-lhe ocasionalmente o acesso a ferramentas úteis na composição de canções com maior substância.
A cambalear elegantemente entre prata e o latão, The Odd Cuple é uma espécie de disco abrangente que não provoca nem ofende. Diria mesmo algures entre a inconsequência e o interesse momentâneo por um punhado de futuros singles produzidos com a exactidão necessária. The Odd Cuple ouve-se com gosto à primeira, mas esgota-se com a rapidez de um pavio de metro. E o problema até será mesmo o facto de não existir nada no fim desse pavio que desencadeie uma reacção explosiva que convensa quem esperava por mais.


PORTISHEAD
THIRD


Muitos dirão que à terceira nada volta a ser o que era antes. E ainda bem que a consciência dita a mudança quando ela realmente se exige. Não porque tenha de ser forçada pela simples necessidade de alterar o status quo ou porque as modas assim o exigem, mas sim porque o íntimo da alma também necessita de percorrer novos caminhos quando as vicissitudes da vida assim o obrigam.
O percorrer da rua exige respostas, tal como as respostas exigem tempo. Na mesma proporção que a rua necessita de um destino capaz de tornar real a exigência de uma estratégia de vida, a força anímica terá de ser a alavanca vigorosa que faça com que tudo se transforme minimamente.
À primeira, a resposta não se vislumbra, como à segunda se torna complexa. Mas à terceira talvez
a resposta seja mais simples do que inicialmente se pensaria, mesmo quando o resultado final sugere uma complexidade inatingível. E três talvez sejam mesmo o número de vezes necessárias para entender as representações da forte carga afectiva que assolam os 3 espíritos de Bristol (Beth Gibbons, Geoff Barrow, Adrian Utley). Como também serão necessários três dias para compreender a deslocação súbita do campo de cultivo aveludado do trip-hop para a aridez de uma pop obcecada pelo electro-rock. Confusos? Acredito!
Third é a súmula retórica de três vectores que ditaram o estranho regresso dos Portishead: a necessidade da mudança, nova força anímica e a perversão das coordenadas numa conjectura acomodada com o vácuo criativo. No fundo Third representa, como objecto, o elemento que faltava numa colheita pop-rock pobre e desiludida consigo mesma, como Ok Computer (dos Radiohead) representou a compilação ideológica de uma mentalidade – ou várias – em convulsão criativa. Ou seja: ambos representam a mudança na forma como se observa a música, mas em cenários opostos.
Não haverá praticamente nada neste novo disco dos Portishead que nos lembre o soberbo Dummy. E enquanto muitos choram as diferenças, outros começam a aceitar a mudança como parte da necessidade da evolução estética. Depois das contrariedades da vida e as consequentes indefinições sonoras, os Portishead encontraram a linha condutora para uma nova, bizarra, fantasmagórica e rude forma de exposição sonora. As linhas mestras do hip-hop evaporaram-se na terra para cristalizarem deturpadas e desconfiguradas na estratosfera. Os ingredientes dopantes do dub metamorfosearam-se no rock lânguido e áspero dos Can. O sofrido acrílico melódico pastoreou-se com um arado para a liça de um torneio electrónico kraftwerkiano. Tudo diferente… muito diferente... menos a voz melancólica, cristalina e brilhante de Beth Gibbons que, e por acto de desenvolta coragem, consegue o que poucos poderiam conseguir ou almejar: tornar belo e memorável a bizarria de um tema chamado "Machine Gun". Irrepreensível e essencial.


BENGA
DIARY OF AN AFRO WARRIOR

O dubstep tem, como é natural nos hypes que surgem espontaneamente a galgar as margens, desiludido pelo impasse. É certo que tem mantido alguma aura de experimentação underground que lhe tem permitido gerir os dias cinzentos com acuidade cautelosa. Não se estranhe então que haja cada vez mais inícios que apontam para uma crescente infertilidade de um campo que já deu melhores frutos.
Benga, tal como Skream, Hatcha ou Youngsta, foi um dos pioneiros divulgadores do género. Cedo apercebeu-se das potencialidades do vínculo do dub ao 2 step e da promiscuidade do excesso do sub-baixo como motor narcótico numa sala enevoada pela economia sonora. As edições regulares em pequeno formato permitiram-lhe o lendo desenrolar do estilo e da experiência como se de tubos de ensaio se tratassem. Neles esboçaram-se as linhas primarias que subtraíram o elemento soul na equação do uk garage e, enquanto se recuperavam as reverberações do dub perdidas no drum n’ bass assoberbado, acrescentou-se a tensão urbana característica do pesadelo futurista.
No debutante de Benga, New Step (2006), a novidade foi favorecendo com interesse a falta de génio, tendo-se remediado um álbum pertinente de ideias cruzadas que veiculavam primariamente os princípios do dubstep adolescente. À segunda os intentos não se distanciam significativamente da já esperada substância. Entre a envergonhada introdução do jazz ou a inoculação corrupta do techno enchamboado, nada de extraordinário é debitado de Diary Of An Afro Warrior. Apesar de pontuais e anormais extrapolações dubstep de aprumado sentido estético – "E Trips" talvez seja o mais evidente exemplo – que resgatam da impávida paciência um sorriso, a percepção de uma produção carregada de maquilhagem digital ilude a evidente falta de estratégia de quem já se habituou à desenfreada produção em linha de irrelevâncias sonoras.
É óbvia vantagem do pequeno formato – preferido pela maioria dos produtores – em desprimor do conceptualismo que um álbum exige. No entanto, também é evidente o enfadadiço da repetição de fórmulas dos longa-duração nascidos do empilhamento do excesso de produção. Sem dúvida estorvos inócuos na ausência de sentido maior responsabilidade, senão mesmo testemunhos da falta de engenho na construção de música com instinto de sobrevivência.

DESTAQUE: CLUTCHY HOPKINS

O DISCO: WALKING BACKWARDS

De Clutchy Hopkins pouco há dizer. Além de viver – aparentemente – distante dos grandes centros cosmopolitas, de preferir a simplicidade eremita do deserto, de apreciar o anonimato – que preserva religiosamente – e de fazer música pelo simples prazer que o processo criativo lhe dá, nada há de significativo a acrescentar ao perfil de uma personagem misteriosa e profligadora – se é que existe na realidade – que conduz ingenuamente uma orquestra de feira com a proficiência de um verdadeiro músico profissional.
Walking Backwards é dos raros objectos que se apreciam pela dinâmica distorcida impressa numa matriz que tem a experiência sonora como desígnio mas que prefere ocultar a ousadia num véu de inocência. E honestidade não deixará de ser um substantivo modesto perante o genuíno gosto de criar sonoridades que apontam os azimutes às mais variadas tipologias. Em Walking Backwards tudo soa familiar e simultaneamente desusado. Entre os 12 temas paira uma invulgar consciência comum que nos leva a reconhecer o passado sem no entanto ignorar a existência de uma força motora que propela a música para um futuro idílico.
À primeira, a amalgama hip-hop, jazz, funk, soul e até mesmo rock de Walking Backwards poderá soar algo rústica. Para alguns a ideia até poderá perpetuar-se na memória se se pretender que a obra mantenha a aura vernal que emana da mescla nuclear. Com o hábito o que está garantido para todos é a percepção da verticalidade do caráter, da sinceridade experimental, da matriz tradicional que circula nas veias e da vernaculidade de todos as narrativas. Talvez por isso este conjunto de ensaios editados pela Ubiquity proporciona a redescoberta do verdadeiro prazer de ouvir música quando tudo aparentemente já está inventado, senão mesmo esgotado. Só por isso já valerá a pena a aquisição de tão luxuosa colecção que não inventando nada de novo, também não repete outros escarmentos. Um achado de ouro
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VIDEO: WHO IS CLUTCHY HOPKINS?
Part 1

Part 2


IN SEARCH OF CLUTCHY HOPKINS


VA - BODY LANGUAGE 6
Mixed by Junior Boys

Poder-se-ia questionar a pertinência da catadupa de colectâneas que são editadas nestes dias. O seu real valor em comparação com o verdadeiro objectivo. E não deixará de ser interessante constatar a inconsequência da grande maioria delas, senão mesmo a completa inutilidade pedagógica que a maioria prefere exibir. Não haverá dúvidas sobre a necessidade destes objectos na existência das pequenas editoras e na natural importância económica que representam numa conjectura nada favorável a grandes apostas individuais. Mas o excesso mata a iniciativa retirando a importância que tais objectos poderiam realmente ter nas nossas vidas. E no prazer que deles poderíamos retirar.
Assim nesta lógica de “encher chouriços”, Body Language da Get Physical em nada difere, por exemplo, da série Dj Kicks. A regularidade mantém a estrutura viva, os convidados digerem a actualidade segundo os seus princípios e até o original exclusivo surge como aperitivo na ausência de edições mais concretas. Ou seja nada de novo se atendermos exclusivamente à disciplina normativa no convite de produtores, músicos ou Dj’s na respectiva organização dos temas.
Depois de M.A.N.D.Y, Jesse Rose, Dixon e Château Flight, a selecção do volume 6 de Body Language recai sobre os canadianos Junior Boys, respeitável projecto synth-pop que em 2006 editou o magnífico segundo álbum de originais So This is Goodbye sobre pretexto da renovação da velha canção electrónica. E na altura dos factos não foi difícil perceber ou mesmo assimilar a necessidade da depuração do cancioneiro típico dos anos 80 como purga inevitável para os pecados que o electro-clash ia deixando no seu trajecto irregular. Ou seja: no ar ficou a pairar a figura de um projecto arredado dos exageros da moda e convicto na necessidade de reorganização pop a nível celular. A proficiência valeu-lhes o reconhecimento.
Enquanto não chega o novo álbum, surge uma compilação para entreter as massas. Diga-se que com a excepção de dois ou três nomes pouco há a falar de uma mistura pobre e excessivamente uniforme. Uma selecção obviamente repleta de afinidades sonoras com os gostos individuais de Jeremy Greenspan e Matt Didemus. Body Language 6 funciona tipologicamente – como seria de esperar de uma edição Get Physical - algures entre uma electro-pop envergonhada pelos tiques do techno-minimal e o disco caleidoscópico arrolado pelo house baleárico; tudo numa primazia insonsa e de fraco espírito anímico, mesmo tendo pelo meio nomes como Kelly Pollar (aqui remisturado por Magic Tim), Radio Slave (revisto por Cosmo Vitelli), Chloé ou Prins Thomas (aqui como remisturador).
A arte da mistura é amiúde substituída pelo elementar fade-in/ fade-out confirmando a falta de algum engenho como Dj’s. Momentos significativos só mesmo quando Matthew Dear, os Studio ou próprios Junior Boys entram em cena – elogio reforçado para o belíssimo "No Kind Of Man", o original exclusivo que aqui apresentam –, porque tudo o resto poderá exclusivamente servir de papel de parede na ausência de melhores discos.



CARL CRAIG
SESSIONS

É um dos nomes mais consensuais da segunda geração de produtores techno de Detroit. Pragmático e simultaneamente inovador, mágico proficiente, conhecedor das melhores intenções dos míticos Derrick May, Juan Atkins ou Kevin Saunderson e um sério candidato a ícone intemporal – se é que já não o é! –, Carl Craig será ainda dos poucos resistentes a manter o velho espírito vivo. Obcecado com a linearidade e verticalidade da música afro-americana, e a sua necessária evolução na contemporaneidade pop, e firme na integridade da linguagem que domina, Craig mantém-se convicto do tempo e espaço que o rodeia, iludindo as modas circunstanciais com clareza e carácter.
O objectivo da sua música é a pista de dança. É com os sentidos fixos nela que experimenta, programa, produz. É com a maleabilidade intelectual que recria, remistura e transforma. E nada como conhecer o seu trajecto para perceber a flexibilidade do seu desígnio, a naturalidade do desenvolvimento de uma ideia ou a expansão inesperada de um insignificante pormenor.
Só conhecendo minimamente a obra de Carl Craig permite ter essa percepção sobre o longo trabalho desenvolvido desde os inícios dos anos 90. Psyche, Paper Clip People, 69, Designer Music e o essencial Innerzone Orchestra foram algumas das etapas num percurso que sempre teve por objectivo a evolução transgénica – por meio do jazz ou da soul – das linguagens do techno ou da house. A nova colectânea da !K7 – mais uma! – é um dos possíveis resumos que expõe, pela mão do próprio Craig, diversos níveis de ensaio sonoro.
Sessions não é o manual definitivo para conhecer aprofundadamente a música do produtor norte-americano. É um compêndio misturado que destaca essencialmente os trabalhos de remistura, ladeados ocasionalmente por originais nunca antes editados ou raridades perdidas. Reencontros fortuitos com projectos quase esquecidos como Paperclip People, 69 ou Tres Demented; remisturas eficazes para nomes como Junior Boys, Rhythm & Sound, Theo Parrish, Cesária Évora ou os Faze Action. Essencialmente um mix eficaz capaz de entreter quem tenha pouca familiaridade com a natureza sonora de Craig, mas um registo com poucas novidades para quem regularmente se encontra com um dos mais sérios produtores techno de Detroit. Mesmo assim um registo inteligente – sem rasgos génio –, sóbrio e bem mais interessante que muitas sessões que por aí circulam com epístola semelhante.


HENRIK SCHWARZ
LIVE

A vulgarização da metodologia desde The K&D Sessions dos míticos Kruder & Dorfmeister tem deitado por terra a necessidade – ou imposição de mercado? – de muitos produtores exporem um trabalho de longa duração a uma massa de consumo faminta de quantidade e menos de qualidade. Ou seja: entre o indesejado trabalho de elaboração de um álbum e a exposição ao mercado dos trabalhos mais significativos, criou-se um espaço ambíguo, mas contíguo, onde se desenvolveu a ideia “nem carne nem peixe”. Por outras palavras: nem álbum nem compilação.
No caso de Live de Henrik Schwarz poder-se-á acrescentar mais um elemento à instabilidade dos conceitos a que nos têm habituado: Nem álbum, nem compilação, nem dj set. A fusão de todos é inevitavelmente a conclusão básica a que se chega. Naturalmente que as dúvidas não ficarão por aqui porque a necessidade de interpretar um conceito obriga a interrogação sobre a sua utilidade. Vejamos: Schwarz reúne um punhado de temas antes editados em pequeno formato (entre eles os excelente "Leave my Head Alone, Brain") e entala-os entre remisturas (entre elas "It’s a Mens World" de James Brown); simultaneamente recorda o passado confinando Sun Ra e Mandrill em passagens curtas e úteis a um set fechado sobre si, mas que procura essencialmente espaços abertos à proficiência e integridade de carácter. Relembremos, a propósito, as semelhanças do conceito de Fabric 36 de Villalobos que, ao contrario deste Live, brilhou com a presença exclusiva de originais – ficando no entanto para segundo plano a qualidade dos mesmos – não tendo por efeito permitido espaço de especulação a terceiros.
Não será outra a consequência que se tira deste desequilibrado conceito reformado em set que não sendo um álbum conceptual expõe sete originais e não sendo um álbum de remisturas recolhe seis reconfigurações para no fim empacotar tudo num live set que servirá sempre como desculpa para a ausência de registos conceptuais mais ambiciosos. Consequência que a história ignorará na carência de certezas. Mais um disco para "abanar o capacete" que se ouve bem mas que se esquece depressa.


EWAN PEARSON
PIECE WORKS

Se no universo paralelo ao original existe salvas que dignificam a metamorfose sonora e enaltecem a escrita de autor, proporcionalmente também desabam dos céus os inábeis mestres da transformação precoce ou os desfiguradores da ocasião. E se dúvidas houvesse, Piece Work eliminou-as por completo.
Piece Work é a súmula dos trabalhos de remistura do Dj e produtor britânico Ewan Pearson. Mais um desconhecido que granjeou reconhecimento pela forma elementar de enquadramento nas pistas de dança de originais desadequados às discotecas de província. Talvez assim se entenda uma certa necessidade transformação prática que envolve a capacidade, vulgaríssima nos nossos dias, de encetar ritmos e estruturas melódicas lascívias adequadas à conjuntura do mercado mas que raramente invocam a criatividade necessária a uma narrativa credível e insofismável.
Entre o electro enchamboado, o techno insípido e a house de sorriso post-it, Ewan Pearson deambula desavergonhadamente entre os fantasmas originais com a postura de trabalhador esforçado no hemisférico esquerdo e oportunista industrial no hemisférico direito. Empunhando o rolo de celofane, embrulha tudo o que é artista da moda, arquitectando no trajecto programações desataviadas de orgulho próprio e enchafurdadas nos tiques básicos das pistas de dança. E se os temas a elas se destinam primariamente, nada como procurar na feira do ilhéu o carrinho de choque que enalteça qualquer uma das suas poucas qualidades.
Escute-se a improficuidade da retoma de "Enjoy The Silence" de Depeche Mode, no pesadelo em que se tornou "Psycological" dos Pet Shop Boys ou na degeneração patética de "Outsiders" dos Franz Ferdinand - entre outros desastres - para num ápice se concluir que Piece Work, dilatado, se não mesmo entre o longo e eterno, expõe na arena do circo a loquacidade inútil que nada acrescenta ao original. De positivo pelo menos. Recomenda-se distância para evitar contágios.


CHRISTIAN PROMMER'S DRUMLESSONS
Drum Lesson Vol. 1

Há quem diga que o techno atravessa uma crise de identidade que nada tem facilitado o reencontro com a sua própria essência, com o espírito libertino que orientou os pioneiros de Detroit na construção de novos paradigmas para as pistas de dança. E enquanto a house se procura reabilitar das modas circunstanciais, o techno tenta libertar-se da ditadura minimal em que encalhou na primeira metade desta década.
Vinte anos volvidos sobre as primeiras experiências techno bem sucedidas, o sentimento pesaroso que se levanta perante a desinteressante actualidade vai lentamente gerando alternativas que saem do convencionalismo a que nos fomos habituando. E se muitos dos produtores que se deixaram mover pelos ácidos das raves de finais de 80, hoje com mais de 30 anos, encaram a vida com outros olhos.
Talvez por isso não deixará de ser pertinente observar esse quadrante geracional – desde sempre identificado com as linguagens do techno – empenhado na recolha dos estímulos passados e desejoso na sua recontextualização no presente. Não será o passo obrigatório no encontro da essência perdida, muito menos será uma ideia extraordinária – relembre-se as operações encetadas pela Infracom nos conceptuais Re:Jazz como ponto de partida para o que agora se descobre em Drum Lessons.
Se nos habituaram à ideia de remistura como mecanismo de transformação da matéria-prima, porque não criar espaço na música de dança electrónica para um ideario de covers instrumentais? O primeiro volume de Drum Lessons parece ser uma dessas primeiras lições de vida para a própria música electrónica – e para as novas gerações excessivamente obcecadas com a programação linear em base 4X4.
Talvez assim se perceba o que Christian Prommer pretende com a designação Drum Lessons. Lições incisivas e pedagógicas que recuperam alguns dos clássicos techno dos últimos 30 anos. A dúvida que fica é sobre o alvo a quem se destinam estas curtas incursões pelo jazz de contornos clássicos. A utilidade para as novas escolas parece indiscutível; porque se a aula passar pela prova definitiva das virtudes do techno ou o house enquanto géneros devidamente estabelecidos no universo pop, servirá também de prova definitiva que testemunha a adaptação positiva da escrita original a diversas realidades.
Se a brincadeira começou com a recuperação de Strings Of Life do projecto de Darrick May, os Rhythm is Rhythm, foi inevitável o passo subsequente: a serena abordagem dos essenciais "Trans Europe Express" dos Kraftwek, "Higher State Of Consciousness" de Josh Wink e o belíssimo "Can You Feel It" de Mr. Fingers (ou como um dos inevitáveis hinos ao hedonismo hipnótico na pista de dança – que foi e ainda é "Plastic Dreams" de Jay Dee – se tenha transformado numa amena e swingante ode à alegria de viver).
E se é satisfação encontramos em todos os momentos, em contrapartida também se encontra um senão: a falta de alguma ousadia que retrai alguma da potencialidade criativa que se poderia ter gerado de tão interessante grupo de pessoas que ladearam Prommer. Um senão que o segundo tombo poderá eliminar muito em breve.
 
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"Em geral, sempre que há algo melhor, há também algo óptimo. Mas, dado que entre as coisas que existem, uma é melhor que outra, há também uma coisa óptima, e esta seria a divina. "
Aristótles


"De todas as artes que conseguem crescer no solo de uma dada cultura, a música é a última das plantas a germinar, talvez porque é a mais interiorizada, e, por conseguinte, aquela cuja época vem mais tarde é o Outono e a desfloração dessa cultura. A alma da Idade Média cristã encontrou a sua expressão mais acabada na arte dos mestres holandeses: a arquitectura musical por eles elaborada é a irmã póstuma, não obstante legí­tima e igual em direitos, da arte gótica. Foi na música de Haendel que tomou forma musical aquilo que de melhor havia na alma de Lutero e dos seus, esse acento judaico-hebráico que deu á Reforma um certo ar de grandeza: o Antigo Testamento faz música, o novo não. Mozart, o primeiro, restituiu em metal soante todas as aquisições do século de Luí­s XIV e a arte de um Racine e de um Claude Lorrain. Há na música de Beethoven e de Rossini que a melodiosamente respira o século de XVIII, o século do devaneio, do ideal destruído, da fugaz felicidade. Toda a verdadeira música, toda a música original, é um canto do cisne. Talvez a nossa música moderna, seja qual for o seu império, e a sua tirania, tenha diante de si apenas um curto espaço de tempo, porque surgiu de uma cultura cujo solo minado rapidamente se afunda, de uma cultura que em breve será¡ absorvida."
Friedrich Nietzsche In Nietzsche Contra Wagner.




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